O Pônei Saltitante

Nossa história começa na grande cidade de Nargothrond, onde existiu um joalheiro dos Sindar de grande renome e talento, nomeado Curendhel. Seus olhos eram amarelos como o mel, e seus cabelos dourados qual o ouro. Ele vivera seus longos dias na cidade em que fora concebido, e fez muitas coisas bonitas e incríveis, até que o Grande Lagarto desceu sobre a bela cidade, manchando-a de negro e escarlate. Por pouco escapou, e por muito caminhou e se mudou, sem casa certa, até chegar a Mithlond, lar de Círdan, O Armador. O joalheiro foi bem recebido no porto, onde viveria por milênios antes que se cansasse do mundo. Foi lá que conheceu Elendú, a Estrela da Noite que iluminou seu coração e alegrou sua alma, levando-o a fazer muitas outras coisas mais belas e brilhantes que qualquer que já havia feito até então, quase apagando a triste memória de seu antigo lar.

Foi em Mithlond que de seu amor nasceram, no mesmo dia e hora, duas belas crianças de cabelos negros e olhos de mel, sendo chamada a menina Findú e o menino Lorentir. Os dois foram muito próximos e unidos desde sempre, e se mostravam diferentes como a noite e o dia. Findú apresentou desde cedo o amor pela espada e pela pena, aprendia línguas e escritas com incrível facilidade e sua mão era firme e rápida no corte, conseguia lutar com a mente e a velocidade antes que com os músculos. Lorentir mostrou o amor pelo aço em outra forma. Apaixonou-se pelos foles da forja e mesas de vergar madeira desde que vira um arco e uma espada pela primeira vez, e brandiu um martelo assim que foi capaz de segurá-lo, além de se mostrar hábil com a magia élfica, o que se tornava mais e mais raro com o passar dos dias. Lorentir costumava dizer que Findú só estava feliz quando tinha ferro nas mãos. Findú lhe respondia que ele só estava feliz com o vermelho refletido nas faces. Mas se havia algo pelo que ambos partilhavam o mesmo amor, era a música.

A vida dos dois jovens elfos foi bela e alegre, ignorando felizmente as sombras que cobriam e descobriam o mundo lá fora. Isso ficou mais difícil quando o mal despertou em Angmar. Temendo uma repetição do desastre de Nargothrond, Curendhel estava cansado das guerras e sofrimentos e, tomando Elendú, partiu dos portos para nunca mais voltar. Vários de seus amigos fizeram o mesmo, mas Findú e Lorentir não queriam partir, eles amavam a Terra Média, e queriam viver mais dela antes de navegar para o poente. A dor de ver seus amados indo embora foi enorme, e Findú chorou copiosamente sobre o pingente azul que seu pai lhe presenteara quando menina. Azul sempre fora sua cor favorita. Daquele dia em diante, Findú jamais tomaria o ferro em suas mãos sem que levasse o azul consigo, uma tênue lembrança dos pais, em memória de quem travaria todas as lutas pelo resto da vida.

Mithlond logo se mostrou uma lembrança viva e pulsante de todos que amavam, e os irmãos sabiam que não suportariam continuar a viver ali. Ouviram falar de Imladris, a casa de Elrond Semielfo que acolhia os cansados, e chegaram à conclusão que seria melhor para ambos se mudarem para lá. Elrond havia de acolhê-los. A viagem não foi fácil. Viagens não eram fáceis naqueles tempos, na verdade. Sua espadas foram brandidas diversas vezes, e o sangue dos servos do Rei Bruxo banhou sua passagem. O derramamento de sangue não agradou a qualquer dos dois, mas Findú aproveitou o exercício de suas habilidades. Lorentir, por outro lado, parecia cada vez mais soturno e fechado conforme sua espada tirava vidas. Chegaram a Imladris sob o Sol poente, Findú abraçava o irmão, cujo espírito estava à beira de se quebrar, a espada longa, ainda vermelha da ultima luta horas atrás, pendendo em sua mão direita. Os dois pararam à porta, com os olhos dos elfos da casa sobre eles, alguns correndo para acolhê-los. Quando Elrond Semielfo chegou, o artífice guardou a espada em sua bainha, olhou para seu anfitrião, e jurou que sua espada se poria com esse Sol, para só se erguer quando as guerras todas acabassem, e apenas a paz corresse perigo. Jamais desejava ele tirar outra vida em nome da guerra.

Os irmãos viveram felizes em Imladris por mais muitos anos. Lorentir com o tempo reacendeu seu espírito, ajudado pela calma e sossego da casa de Elrond. Findú passava seus dias aprendendo mais da escrita e das línguas antigas ou obscuras. Chegou até a ensinar a Língua Negra a Lorentir, mais por insistência que por vontade deste. Quando não estudava, tocava e dançava com os outros elfos, geralmente acompanhada da voz de seu irmão. Mas Findú sentia saudade de ter como praticar sua esgrima, poucos em Imladris apreciavam a luta por esporte, e seu irmão se recusava a empunhar uma espada, mesmo para treino. Ela desenvolveu então o hábito de fazer viagens para vilarejos e cidades próximas, fazendo vezes de aventureira, travando duelos amistosos com guerreiros confiantes, e derrubando bandos de orcs e salteadores que assolavam ocasionalmente uma cidade.

Lorentir passava seus dias na forja e nas oficinas. Quando não ocupava sua mente com suas artes, aprendia algo de magia com Elrond ou cantava ao lado das flautas de sua irmã. Suas obras geralmente eram presenteadas, e, ocasionalmente, vendidas. Em uma ocasião, Elrond o chamou a fazer um par de lâminas com a ajuda de um dos ferreiros mais hábeis da casa. Lorentir não compreendeu o pedido a princípio, mas lhe foi dito que a prática seria útil. O resultado foram uma lâmina longa e fina, que reluzia escarlate ao Sol, e uma curta e curva, com um peculiar brilho azulado. Elrond as nomeou Annûn e Angluin, em homenagem aos juramentos de Lorentir e Findú, e confiou uma a cada. Lorentir jamais se desfez dessa espada, mas passou séculos sem tirá-la da bainha, exceto para dar o polimento que ela não necessitava, mas lhe dava prazer executar. Fez com o mesmo ferreiro um par de arcos longos, de desenho próprio. Um era amarelo como o ouro e o outro branco como a prata. Deu-lhes os nomes Laurëgil e Celegil. Ele e sua irmã sempre haviam amado mais a beleza da prata que do ouro, por influência de seu pai, então presenteou Celegil a sua irmã, e ficou com Laurëgil. O brilho da prata reluzia bem com o azul que ela gostava de vestir. Anos depois, fragmentos antigos chegaram, e Lorentir foi incumbido de ajudar os outros artífices a reforjar aquela lâmina. Ao sentir o poder da espada sob o martelo, o elfo percebeu para o que estava sendo preparado. Derramou suor e Fëa como os outros e teve a honra de ver a Chama do Ocidente renascida para o Rei.

O Senhor do Escuro foi, após muito, derrubado, e a paz reinaria, e não haveria mais porque se preocupar. Eles saberiam que podiam descansar sem medo de a sombra chegar a Imladris. Mas agora, o Sol se erguia incerto, e os ventos cantavam canções sinistras. Os irmãos sentiam que sua dita paz seria curta, e talvez dessa vez, eles tivessem de lutar. As noites eram frias e eles se aconchegavam na incerteza. Uma coisa era certa: as nuvens negras traziam ALGO.