Vilarejo de Cayne, Norte de Montaigne.
Primavera de 1665.
Embora o imediato já havia avisado sobre a presença dos oficiais no vilarejo anteriormente, a presença de um rosto estranho causava a curiosidade dos locais. Não havia uma guarda local com homens que rondavam perambulando na noite. Ali todos eram guardas de seu povoado, estava enrustido em cada homem o dever de proteger o vilarejo, Lyonel sentia a opressão dos olhares sobre seus ombros. Cada passo adentro do vilarejo menos lamacento o chão ficava. Tochas já estavam acesas nas paredes externas de algumas casas. A grande maioria era de madeira, outras poucas de pedras com vigas e pilares de madeira expostos, mas um suporte deixava a tocha inclinada em um angulo onde o fogo não beijava as estruturas de madeira. Uma clareira no meio do vilarejo mostrava-se pouco afrente, um poço artesiano ficava bem ao centro da clareira. Próximo ao poço, um estrado de madeira havia sido erguido há pelo menos um metro e meio do chão com uma estrutura criada para o carrasco local se deleitar. Dois homens e uma mulher estavam pendurados pelo pescoço, enforcados e mortos há muito tempo, pelo menos parecia que a pena dos três já tinha vigorado há muitas horas. Os corpos balançavam em sintonia com o vento. Corvos guardavam seu banquete observando Lyonel de cima da haste de madeira onde as cordas estavam presas. Lyonel não sabia se o odor que chegavam em suas narinas era dos corpos ou do vilarejo como um todo. Já havia visto por alguns chiqueiros no caminho até ali, e os porcos que já tinham ido pro abate ficavam expostos em tábuas, abertos enquanto o sangue escorria durante a noite.
A porta da maior construção no vilarejo se abre. De dentro saía um homem com trajado com farrapos, cambaleando enquanto balbuciava uma canção. Poucos metros após, o homem despenca e dorme no chão. Lyonel havia encontrado a taverna do vilarejo. O castelhano se aproxima daquela construção de pedra, iluminação alaranjada fugia pela vidraça das janelas, era da onde vinham os barulhos de conversas paralelas onde a língua oficial da região se tornava presente e em evidência. Lyonel abre a porta da taverna e adentra o local.
Foram poucas as pessoas que continuaram conversando como se nada tivesse acontecendo. Mais olhares curiosos cruzavam e desviavam por entre os pilares de madeira e os enfeites floridos chegando até Lyonel. Alguns demonstravam hostilidade, principalmente da mesa próxima a porta, onde alguns homens sem camisa jogavam poker de dado, todos eles possuíam tatuagens sobre os braços e torso, tatuagens simples com formas geométricas, caveira, espadas, moedas, águias e frases rabiscadas. Lyonel não podia concluir que eram piratas, pois eram tatuagens comuns entre diversos tipos de bandidos, mercenários e caçadores de recompensa. Mas era certo que poderia arrumar encrenca facilmente com aqueles homens. Porém, não eram os únicos que olhavam com hostilidade para Lyonel, muitos homens comuns faziam a mesma feição de desprezo ao estrangeiro.
A mulher atrás do balcão da taverna olhava para Lyonel com indiferença, enxugava um copo de madeira enquanto esperava o estrangeiro procurá-la. Lyonel tinha um objetivo naquele vilarejo, e para tal não precisava arranjar confusão. As últimas informações sobre sua busca pelo Capitão Pirata Henry Curts deixavam claro que um de seus homens havia aposentado sua espada e criado raízes em Cayne, e isso supostamente já fazia cinco anos. Aquele homem detinha conhecimento sobre as rotas que o Capitão Pirata fazia, onde costumava saquear, quais povoados e tipos de navios preferia, e o mais importante, onde jogava fora as fortunas que fazia. Lyonel não tinha um nome, não tinha um rosto à procurar, apenas a informação que sabia ser correta, precisava encontrar o tal homem naquela região, mas para isso precisava identificar o homem no meio dos locais.