Meileen - Shamps

Meileen ficou bem contente quando Melanie disse que visitaria sua mãe, pois sabia que isso faria muito bem a idosa que cuidou da elfa desde criança. Loren já tinha seus 84 anos e Meileen não gostava muito de pensar nisso, mas sabia que sua mãe partiria em breve, pois os humanos viviam muito pouco. Ela não suportaria vivenciar a morte de um ente querido outra vez. A única pessoa naquela cidade mais velho que ela era Toressar e ele seria o único que ainda ficaria vivo quando os anos se passassem para a elfa, por mais que anões não vivessem tanto quanto os elfo, mas já era um alento.
Ela espantou aqueles pensamentos e olhou para ambos com carinho e disse:

- Por favor dona Melanie, ela ficará muito contente.

O chefe anão, como sempre com sua carranca adorável, fala de suas motivações para o momento, deixando a elfa pasma. Meileen arregala os olhos e fica boquiaberta com a proposta do velho anão:

- Mas o que, chefe? - ela sacode a cabeça negativamente - que ideia estapafúrdia é essa? Ela já está aposentada, humanos se aposentam por um motivo, não é? - olha para a dona da casa - sem ofensas Melanie. Eu... eu não consegui proteger uma jovem, imagine ser responsável pela morte da avó de Julia. Eu não me perdoaria.

Vendo que a velha agente de Toressar aceita sua proposta, a ranger fica mais indignada ainda.

- Hey! Isso está fora de cogitação. Nem que eu vá buscar reforços em outra cidade, mas não posso deixar a senhora fazer isso. Chefe? - olha implorando para o chefe.

As palavras de Meileen provocam uma alteração no semblante antes animado de Melanie, os cantos do lábio caindo e os olhos semi-cerrados. Por sua vez Toressar fica com a face rígida como se fosse esculpida em pedra. Ao final ele ignora a elfa e vai em direção da amiga. “Tudo bem com você?”, pergunta o anão.

Melanie ergue o rosto e ensaia um sorriso.
- Esta tudo certo... Ela tem razão, na minha idade eu seria apenas um estorvo. Que ideia idiota a minha, tenho que cuidar da minha casa e minha horta... Agora com licença, que esta tarde e preciso dormir – diz a humana, que rapidamente entra em sua casa e fecha a porta.

Toressar balança a cabeça e volta seu olhar para Meileen. Ele diz de maneira fria, quase mecânica.
- Se eu convoquei Melanie, é porque eu conheço suas capacidades. E também sei o que é melhor para ela. Mas se voce não confia no julgamento do seu chefe, então siga seu próprio caminho.

O anão recusa qualquer outra conversa, e vai em direção de sua casa.

Foi perfeitamente compreensível a reação que Melanie e Toressar expressaram no momento, mas Meileen não poderia arriscar por em risco daquela maneira uma senhora humana. Ela não duvidava das capacidades da mulher e talvez até pudesse aprender muito com ela, já ouvira muito sobre ela, mas naquele momento sua confiança estava um pouco abalada para aceitar por em risco qualquer outra pessoa.
Preferiu naquele momento apenas deixar que o chefe se afastasse. Claro que as palavras duras do anão a magoaram e ela sabia que o melhor a fazer era deixar ele ir e ficar quietinha em seu lugar.

- Ah, que droga - a elfa esfrega a cabeça, preocupada - eles vão me odiar pelo resto da vida... mas melhor me odiando do que mortos. Me perdoe Melanie - a ranger falou obviamente para si.

A elfa permanece mais um tempo parada no jardim  de Melanie, observando as estrelas, pois o caminho a seguir era o mesmo que o anão seguia e ela não queria arriscar encontrá-lo, não enquanto ele estivesse furioso. Passado um tempo, ela segue de volta para a cidade, para o quartel, descansaria e no dia seguinte decidiria o que fazer.

Meileen, em sua meditação, deixa sua mente vagar pelos acontecimentos do dia anterior. A procura dos goblins, o combate, a quase derrota e sua superação. A conversa com o chefe e o desentendimento. Já é de manhã quando ela finalmente desperta, não totalmente relaxada como de costume, provavelmente por causa dos conflitos acontecidos.

Ela se ergue junto com seus colegas de quarto, e após rápida higiene vai até o refeitório. A elfa entrou na fila para esperar sua vez de ser atendida, quando sentiu um cutucão em seu ombro.

Meileen se vira e ve um homem enorme atrás, aparentando 30 anos, alto e com músculos fortes e bem delineados.



De cima ele sorri e diz com a voz grave:
- Você é uma elfa bonita! Pensando bem, não existem elfos feios. No norte não se ve elfos, mas tem muita gente feia, ah isto tem. Minha tia, Wanda, é tão feia que quase a mataram pensando ser um orc invasor... Meu nome é Kros Esmaga-orcs Muthvur.

O bárbaro estende a mão para cumprimentar, e aprecia as formas de Meileen.
- Hmm, sim, muito bom, muito bom. Primeiro dia aqui, e já estou gostando.

O dia raiou afastando os pensamentos nebulosos da noite anterior. Meileen se levanta e como todas as manhãs segue até o refeitório para o desejum.
A monotonia da fila foi quebrada por um sujeito corpulento e grosseiro. Ela ficou chocada com suas palavras.

- Espero que não tenha ganhado esse apelido após ter tentado esmagar o crânio da sua tia - falou com espanto.

Ao perceber os olhares dele analisando suas curvas, ela fala em um tom severo:

- Acho bom encurtar esses olhos se não quiser uma flecha fincada neles.

Certamente as palavras dele não soaram como um elogio. Foi se afastando com sua bandeja em direção às mesas e sentou-se. após duas garfadas começou a pensar em seus planos, quem levaria, talvez não houvesse outro jeito: teria de levar Clover e Allen mesmo. A menos que... o grandalhão poderia ser útil, mas primeiro tinha que saber o que ele fora fazer no quartel.

- Hey grandão - olha na direção dele - veio atrás de emprego, guardas ou confusão? - o tom não era mais severo e sim curioso.

Kros ouve as palavras de Meileen e permanece estático por alguns instantes. Então com um ribombar ele da uma risada bombástica, fazendo doer os ouvidos da elfa devido a sua potencia.
- É piada, não é piada? Ahrahrahr! Impossivel esmagar crânio de tia, duro como rocha – diz, e tenta fazer um gesto cavalheiro, sem sucesso – Kros não quer flechada no olhar, só apreciando a vista.

Com tristeza o bárbaro ve Meileen indo embora, mas volta a ficar feliz ao ser questionado novamente. Sem cerimonias ele pega a bandeja com 5 pães e meio kilo de queijo e carne defumada e se senta ao lado da elfa. Ele mastiga um naco de carne, e diz:
- Este dia é o primeiro de Kros como guarda da cidade. Kros vir do norte, Balduvia minha terra, inimigos fracos, mulheres feias. Terras de Galia muito melhores, mais oportunidades, empregos, inimigos fortes, mulheres bonitas.

Neste momento chegam Clover e Allen. Os dois ficam boquiabertos, ao verem a pequena Meileen conversando com o brutamontes do Kros, parecendo um satélite orbitando um planeta. Eles se aproximam fazendo um aceno tímido para o bárbaro, que responde com o erguer de uma sobrancelha. A maga senta-se do lado oposto da elfa, e parecia estar totalmente recuperada de seus ferimentos.
- Cura magica faz milagres, não é amiga? Toressar disse para voltar para a patrulha quando estivesse bem, e eu estou me sentindo ótima! Qual a próxima missão?

Allen suspira, e balança a cabeça.
- Tentei colocar algum juízo na cabeça da sua amiga, mas sem resultado... Pensava que estudos arcanos contribuíssem para o bom-senso, mas vejo que estou enganado...

O olhar mortal de Clover faz com que Allen tape sua boca com um pedaço de pão, antes que profira alguma maldição.

Pega de surpresa, Meileen sacode a cabeça para espantar o ardor em seus ouvidos causado pela gargalhada ruidosa do bárbaro e só depois da explicação dele que entendeu o motivo do riso.

- Pela deusa! Fere meus ouvidos assim. Eles são sensíveis - se recuperando do desconforto - e sim, foi uma piada... hunf...

Quando Kros sentou ao seu lado, a jovem elfa deslocou-se um pouco para dar espaço ao grandalhão e manter certa distância dele e ouviu-o.

- Então é guarda? Ótimo! Eu quero montar uma equipe para investigar a floresta, mas não encontrei homens fortes o bastante para me acompanharem. Você apareceu em boa hora... aceita a missão?

Antes de ouvir a resposta do bárbaro, a patrulheira fica feliz ao ver seus amigos bem e acena para eles.

- Bom dia Allen e Clover. Viram a nova aquisição da guarnição? Kros Esmaga Orcs! Kros, esses são Allen e Clover, ela é minha melhor amiga e namorada do Allen - ela apresenta os três, entre um gole e outro de suco - com esse cara aqui na minha equipe nenhum goblin vai se aproximar - e dá umas batidinhas no braço do bárbaro - hahahaha! - sua risada é bem mais suave e agradável que a ruidosa do estrangeiro.

Ao ouvir a amiga falar o nome do anão chefe, o semblante da elfa se torna mais amuado - ah amiga, eu briguei com o chefe de novo... - ela desliza os braços pela mesa até sua cabeça tocar a madeira. Sua voz sai abafada - ele... me... odeia... eu sei - mas como ela não podia se dar ao luxo de entristecer-se, ela logo se recompõe - certo... nossa próxima missão é investigar o acampamento dos goblins e irmos até algum ponto de Galia, só precisamos de uma pista. Presumo que consigo seguir os rastros do que fugiu a cavalo - nessa última frase ela usa um tom mais sério e determinado, voltando a ser a elfa concentrada de sempre.

As palavras do jovem guarda fazem a elfa sorrir:

- Allen, Clover é assim mesmo, melhor se acostumar.

Diante do convite de Meileen, Kros bate o punho na mesa com tanta força que bandejas e canecos dão um salto para cima, provocando indignação dos colegas guardas sentados ao lado.
- É claro que aceito missão, Kros é homem forte, bem mais forte que qualquer outro que elfa tenha visto! – diz, e dá um soquinho leve amigável no braço de Meileen. A dor é semelhante a uma mordida de abelha gigante – Kros e elfa, ninguém nos segura!

Depois de serem apresentados a Kros e negarem mil vezes que não são namorados, ficando vermelhos como um pimentão, Allen e Clover dão as boas-vindas ao novato.
- Kros, melhor não irritar a Meileen, ela tem a melhor mira da cidade... – diz Clover, mas ao notar a tristeza da amiga ela se levanta da cadeira e senta-se ao lado da elfa, abraçando-a e afagando seus cabelos. – Ei, ei, ei, animo! Sabe como o Toressar é... Parece feito de pedra, mas tem um coração mole por dentro... Já, já ele se esquece!

Depois de ouvir a pequena descrição da missão por parte de Meileen, Allen come um pedaço de pão e fica pensativo. Ele então diz:
- Como não temos nenhum clérigo no grupo, penso que podemos pedir no deposito para ver se tem alguma poção de cura disponível. Como a Clover quase bateu as botas na ultima missão, creio que eles não vão nos negar.

A maga fica furiosa. “Bater as botas?”

Kros balança a cabeça. “Rapaz realmente não sabe como lidar com mulheres...”

Com a batida na mesa do gigante Kros, a elfa dá um pulo junto com as bandejas e arregala os olhos numa expressão de espanto exagerado.

- Rapaz efusivo, não? - e olha para os colegas, logo em seguida afaga o braço - au! Menos Kros, menos.

As palavras de Allen e de Clover só fazem a elfa ficar mais para baixo ainda. Ela começa a bater a testa na mesa.

- Clover quase morreu por minha culpa e não, Toressar não é coração mole com quem não acata suas ordens e foi o que eu fiz... ai...

De repente uma luz vem à mente da ranger quando Allen fala das poções de cura e ela se anima novamente, sentando-se ereta olha para o jovem humano:

- Um clérigo!? Onde achamos um? Hey... Clover, você foi curada com magia, certo? Quem foi? Vamos levar essa pessoa junto ou então levaremos todo o estoque de poções do quartel... não quero que ninguém morra por minha causa - um brilho selvagem passa por seu olhos.

Os dois amigos ainda vermelhos se recuperavam da vergonha e ao ouvir as palavras de Kros, a elfa ri e comenta:

- Não liga para eles, Kros. Eles são tímidos e não querem admitir que namoram hahahahah. O Allen deve saber lidar com mulheres, afinal, ele conquistou essa chata de plantão aí - e aponta para Clover - ele deve ter... como dizem mesmo... ah, esquece... o fato é que ela é muito exigente e o rapazinho aqui conseguiu passar pelo crivo da maga. Admitam!

Quando indagada pela elfa sobre quem tinha feito a cura, Clover ia começar a responder, sendo imediatamente atropelada por Allen.
- Foi minha amiga de infância Julia, aquela com quem voce trombou ontem, na saída do quarto... Nós costumávamos brincar juntos quando pequenos, parecia uma moleca! Teve que sair para estudar fora os ensinamentos de Solaris, e hoje trabalha para a ordem da deusa da magia. Podemos perguntar para ela se ela quer participar da missão, embora tenha me dito que estava por aqui de férias, visitando a mãe, dona Melanie.

Ao final Allen sorri, e se vira para Clover para comentar algo. Ele fica branco, ao se deparar com a verdadeira face do demônio.
- Voce... fala... bem animado... da Julia..., Allen... – diz a maga, lentamente.

Allen ergue as mãos em defesa, mas não consegue escapar de uma chuva de bordoadas.

Kros ergue uma sobrancelha diante da cena, e diz para Meileen:
- Hmm, voce deve estar certa. Em Balduvia, ditado diz que amor e dor andam juntos. Do jeito que os dois se maltratam, devem estar amando loucamente.

Após o desjejum, os quatro vão até o deposito, mas o velho do armazenamento nega com a cabeça a requisição de poções de cura.
- Ces tão pensando que aqui é o que, o palácio real ou a universidade arcana? Poções de cura são muito caras, e não temos pra ficar distribuindo ai não! – diz, apontando para Clover – não é essa menina que estava toda estrupiada? Ce aqui tivesse poção de cura, nóis tinha dado pra ela! E saiam daqui que tenho que ler meu diário!

Allen coça a cabeça, sem graça:
- Bem, neste caso só resta a Julia...

Kros bate a mão no peito, fazendo um barulho oco semelhante a um trovão.
- Kros tem poções de cura! Quem precisar pode usar, mas tem que pagar o preço!
- Ta, e qual o preço? – pergunta Allen
- 300 peças de ouro... ou um beijinho na boca – diz Kros, fazendo beicinho.

Clover faz cara de nojo. “Eca!”

Meileen ouve atentamente as palavras atropeladas de Allen e arregala os olhos para logo começar a rir da briga dos dois e do comentário do bárbaro Kros.

- Balduvia é um lugar muito estranho pelo jeito. Deixa eles, logo se entendem – ela se levanta da mesa e fala – hey hey, já chega os dois. Vamos logo para o depósito – e vai saindo da mesa.

No depósito, a situação não foi das melhores e o responsável foi bem grosseiro com eles.

- Droga... tudo bem, já estamos indo, velho ranzinza – fala já deixando o local. Allen dá sua sugestão final e a elfa fica um pouco triste outra vez, pois teria de rever Melanie, coisa que ela não queria fazer tão cedo – já que não tem outro jeito mesmo, vamos atrás de Julia. E vocês dois, nada de briga, hein.

Kros deixa escapar que tem poções de cura e o preço delas, para indignação da elfa.

- Pelo amor da Deusa! 300 moedas? Você acha que eu sou a rainha dos elfos para ter tanto dinheiro assim? Sou uma simples soldada de uma guarda de uma cidade pequena - e junto com Clover também faz cara de nojo com a proposta do grandalhão – eca... sai fora – e vai se afastando do grupo – e se for o Allen que precisar de poção, você dará beijinho nele também?

A elfa espera que o jovem guarda vá atrás de Julia, mas o acompanha de qualquer forma.

- Se ela está de férias deve estar em casa agora... ai ai... se não tem outro jeito, vamos até lá – e suspira.

Apesar das intervenções de Meileen, o clima entre Clover e Allen não era dos melhores, com olhares gélidos sendo lançados de um lado para o outro. Embora soubesse do amor entre os dois, a elfa podia ver que nenhum deles iria dar o braço a torcer.

Kros contrai os peitorais e se põe ao lado de Allen, batendo amigavelmente em suas costas.
- Kros não é injusto, se Allen quiser, pode pagar com beijinho também... – diz, alçando as sobrancelhas repetidamente e fazendo biquinho.

O guarda teve que fazer um grande esforço para não vomitar. De joelhos, ele implora para Meileen que se um dia precisar da poção de cura de Kros, que o deixasse morrer. “Estarei morto, mas em paz comigo mesmo”, comenta.

Após a cena, o grupo sai do depósito em direção da saída. Logo na área em frente do quartel, um grupo de guardas está reunido, junto com o chefe Toressar e a cleriga Julia. Estavam ao redor do que parecia ser uma criatura planta, morta.



OFF: Shamps, continua no tópico da Julia. Pode postar la.